segunda-feira, 31 de março de 2014

Minha Vida – Rita Lee


Marina só queria mais cindo minutos na cama. O domingo tinha sido agitado e a noite, assim que ela deitou-se na cama, o sono resolveu dar uma volta pela cidade e a deixou de olhos abertos durante boa parte da madrugada. Por sorte, em algum momento que esta vendo suas redes sociais, ela pensou em colocar vários horários para o celular despertar.

Muito a contra gosto, Marina se levantou, bebeu um copo d’água e foi tomar banho. Enquanto deixava a água morna cair em sua cabeça, fechou os olhos e pensou no final de semana. Uma lágrima saiu de seu olho e se misturou a água que lavava seu corpo. Ela ficou ali, parada, por uns 10 minutos.

De toalha enrolada no corpo e sentada na cama, Marina pegou seu celular. As mensagens trocadas na madrugada, resumiam o final de semana passado e, algumas, justificavam as lágrimas do banho. Os dois últimos dias tinham tudo pra ter sido sensacional, mas o final do domingo não foi assim tão agradável.

Enquanto esperava o elevador, procurou o fone de ouvido na bolsa, precisava ouvir uma música, esquecer a noite passada e se preparar pra mais uma semana puxada no trabalho.

Térreo. Hora de sair pra vida real. Hora de enfrentar mais uma semana de trabalho, de planos, de realizações, de amores e desamores. Hora de ir viver... ou tentar!



“Tem pessoas que a gente
Não esquece nem se esqueceu...”

domingo, 30 de março de 2014

Noite do Prazer – Claudio Zoli

Mesmo depois de anos trabalhando no mesmo lugar e vendo as mesmas pessoas, Ricardo mantinha sua rotina. Saia do elevador de cabeça baixa, soltava um razoável “Bom Dia” para a recepcionista, parava em frente ao corredor que dava acesso ao grande salão de mesas separadas por baias e aquele mar de gente, como ele gostava de se referir, respirava fundo e partia para sua mesa. A pedido dele mesmo, sua mesa de trabalho era a última, encostada na parede. Fez esse pedido por achar que lá não seria perturbado durante o dia e que as pessoas acabariam esquecendo-o lá. As vezes isso até acontecia.

Dia após dia, aquele menino de vinte e poucos anos, magro de cabelos escuros, óculos, olhar baixo e voz quase inaudível, servia como pauta nas conversas das outras pessoas. O nome de Ricardo era sempre citado nos cafés, almoços, lanches, happy hours, encontros e baladas. E todos diziam a mesma coisa. Não é possível uma pessoa ser tão envergonhada. Chegavam a comentar que Ricardo não tinha amigos, mas sua coordenadora sempre o defendia. Pelo menos ele faz um ótimo trabalho. Isso ninguém pode falar nada!

Enfim, mais uma sexta-feira. Muito antes do horário pra bater o cartão, as pessoas já se encontraram ao lado do relógio de ponto combinando o Happy Hour. Que bar? Quem vai no carro de quem? Enfim, dezoito horas. Um a um, as pessoas vão batendo o cartão e se dirigindo para o hall do elevador. Tudo combinado, é hora da tão aguardada cerveja da sexta a noite.

A luz do escritório se apaga e Ricardo mais uma vez, balbucia alguma coisa tão baixa em frente a tela de seu computador, que nem ele mesmo se escuta. Acho que tá na hora de ir embora! Com o escritório vazio, o caminho entre sua mesa e o banheiro se torna muito mais fácil. Ao passar pela recepção ele acende as luzes do escritório, enfia a mão no bolso e saca o celular. 235 mensagens não lida. De todas elas, só uma realmente importa, “Daqui a pouco passo aí pra te pegar.”. “Mais dez minutos e eu tô pronto! Bjos” Enviar. As outras 234 ele vai responder no caminho.

No banheiro, ele escolhe uma música e coloca o celular sobre a pia. Em sua mão esquerda segura uma caixinha de lentes de contato. Se olhando no espelho, ele tira os óculos e cuidadosamente coloca a lente do olho direito e depois a do olho esquerdo e pendura o óculos na camisa. No refrão da música, Ricardo abre a voz e canta a todo pulmão sua letra. Ricardo chega a ensaiar um passinho de dança. Abre a torneira e lava o rosto. Aproveita a mão molhada para passar nos cabelos e tirar um pouco daquele gel. Ricardo está quase pronto.

A música para de tocar. O celular está chamando. Oi! Já chegou? Tá! Vou descer! Ele volta a ligar a música e sai pelo grande salão, que até a pouco o assustava, dando passinhos de dança. Desliga o computador, pega suas coisas e corre para o hall dos elevadores, não antes sem bater o ponto e apagar as luzes. Até Segunda!

Em frente ao prédio onde funciona o escritório, está lá um carro prata com vidros escuros. Nem por reza dá pra ver se tem alguém lá dentro. O pisca alerta indica que o carro está ali esperando alguém. Ricardo passa perla portaria do prédio feito um foguete. Mal dá boa noite ao porteiro que acabara de assumir o posto. Sem nem olhar para os lados, Ricardo abre a porta do carro prata e praticamente se joga pra dentro. Acelera esse carro que hoje eu quero me jogar. Depois do aniversário da Lucia, quero ir naquele galpão! Hoje vai ter uma festa incrível lá! Mauro o olha fixamente. Cadê meu beijo! O carro para no farol. Ricardo se joga no colo de Mauro e lhe dá um de seus melhores beijos. O farol abriu. Mauro acelera. A noite vai ser boa!


“Será que o meu signo tem a ver com o seu?
Vem ficar comigo depois que a festa acabar...”

sábado, 29 de março de 2014

Filme Triste – Celli Campelo

Já passava das duas da tarde quando Lucia abriu os olhos, se espreguiçou na cama, levantou, foi até a cozinha, bebeu um copo d’água, foi ao banheiro, fez xixi e se olhou no espelho que ficava atrás da porta. Enquanto estava sentada, começou a pensar na noite anterior, e na anterior, e na da semana passada, na da outra semana, no mês passado e no outro.

O que eu estou fazendo da minha vida? Cacete! Não é isso que eu quero pra mim. Não é essa história que eu quero contar pros meus filhos e netos. Uma mulher de 34 anos, que só vive na noite, que vive pra noite, que não consegue alguém, que não tem ninguém, que não se apaixona e nem se acha apaixonante! O que eu estou fazendo com a minha vida e com os meus sentimentos? Já passou da hora de arrumar tudo isso... e tem mais, para  de chorar. Você já é uma mulher e não uma garotinha mimada.

Preciso mandar arrumar essa descarga, toda vez que uso tenho que secar a merda da parede! Saco! Meu... que sono. Não, nem pense em voltar pra cama. Cadê o controle da TV? Caraca, onde eu coloquei essa merda desse controle? Não é possível, as coisas aqui em casa criam pernas, só pode! Bom, deixa pra lá, não deve ter nada de bom na TV hoje!

Nossa, nem acredito. Adoro essa música! Foda-se todos os vizinhos, quero ouvir música no máximo! Puta merda, não pode nem ouvir música direito que essa velha já vem bater na minha porta! JÁ VOU ABAIXAR O VOLUME! Velha insuportável! Mal amada! Nunca foi jovem, não? Não, né? Já deve ter nascido com setenta anos!

Que roupa eu coloco, hein? Tô com fome, preciso ir comer. Já sei, vou colocar aquela blusinha e posso usar essa short aqui e dá pra colocar aquela sandália. Não tô com a menor vontade de usar sapato ou salto.

“Não! Não vou! Tô me arrumando e tenho umas coisas pra resolver!” Enviar. “A gente pode tentar se falar mais tarde, mas eu preciso sair!” Enviar. “Não sei, talvez eu não queira me encontrar com você. Talvez eu não aguente mais ser tratada do jeito que você me trata e pronto!” Enviar. “Meu, a gente já conversou sobre isso, eu já falei de tudo o que eu sinto. Não quero isso pra mim!” Enviar.

Essa merda desse elevador sempre demora quando eu tô com pressa. Afff... Ainda bem! Tchau, tchau... Ah! Se alguém chegar aí perguntando por mim, fala que eu sai e não tenho hora pra voltar. Obrigada! Oops, não queria bater o portão! FOI MAL! Caracas, quanta gente na rua! O que tá acontecendo aqui, estão dando dinheiro em algum lugar? Nossa, devia ter vindo de óculos, esse sol tá me matando.

Oi moço, tem garrafinha da água? Ah tá, só pegar ali? Obrigada! Quanto? Peraí que eu acho que tenho trocado. Tá aqui três e cinquenta! Obrigada! Meu, precisava de água! Acho que tô ficando maluca. Não parei de falar comigo mesma desde a hora que acordei. Mas tudo bem, que se foda o mundo! Hoje vou sair comigo, me levar pra passear, não deve ser tão ruim assim, eu até acho que sou uma ótima companhia.

Boa Tarde, um ingresso pra sala um, por favor? Obrigada! Hey, o que você está fazendo aqui? Quem é essa moça? Por que ela está te abraçando? FILHODAPUTA, acabou de me mandar mensagem que queria me ver e veio ao cinema com uma vagabunda qualquer? Não, péra, que língua toda é essa?? Por que que comigo nunca foi assim? Nossa... eu te odeio! Só espero que não seja a mesma sala! SEU BOSTA! SEU BOSTAAAAA!

Nunca mais vou vir ao cinema. Quero que você morra com essa vadia que você arrumou. Esse foi o pior filme da minha vida! “Espero que tenha gostado do filme! Fique bem com essazinha!” Enviar. “Oi? Como assim Oi? Eu te vi! Te vi com essa moça que está aí do seu lado!” Enviar. “Não, não estou louca! Estou do outro lado da rua, dá um tchauzinho pra mim!” Enviar. “Vai pro inferno você e essa aí”. Enviar.

- LÚCIA O CARRRO!... PUTAQUEPARIU!!!


“Trocavam beijinhos e eu quase morri
e do principio ao fim do filme eu chorei...”

sexta-feira, 28 de março de 2014

Esconderijo – Ana Cañas

Naquela noite Ela estava em casa assistindo TV, na real estava fazendo uma viajem por todos os canais a cabo que tinha em seu pacote de TV por assinatura. O tédio já fazia parte do seu corpo e Ela não via a hora do sono chegar.

Não acredito que não tem um programa decente nessa TV. Pago um absurdo de TV a cabo e quando eu mais preciso não tem uma merda de programa ou filme pra assistir. Ai que saco! Alguém atende esse celular? Não péra, eu moro sozinha...

Ela só queria esperar o sono, como fazia todas as noites, mas aquela noite o seu sono seria perdido. Só deus sabe se depois daquela noite ela teria uma noite de sono como as anteriores. As mensagens no celular fizeram com que Ela se levantasse, tomasse banho, pegasse um taxi e fosse ao encontro dele. Ao chegar em frente ao lugar combinado, um galpão para festas que ela adorava ir, Ele estava lá, lindo e esperando-a.

Que saudade! Já faz tempo hein? Quando foi a última vez que nos vimos? Nem me lembro mas deve ter sido naquela festa do Fulano, lembra? Claro que lembro! Bebi um pouco demais naquela festa. Nem me fala, ainda não me lembro como cheguei em casa! Hoje sou eu que não quero lembrar como vou chegar em casa.

Ai minha cabeça. O que foi que aconteceu? Só me lembro de ir naquela festa! Saco, devia ter ficado em casa. Aposto como não existiria dor de cabeça se eu tivesse ficado vendo filme. Cacete, o que foi que aconteceu! E esse celular que não para de tocar! Que saco, não percebeu que eu tô de ressaca? Quem é que tá mandando mensagem uma hora dessa!

Mensagem de Ele: “Bom dia! Como você está? Nunca vou esquecer o que você me fez hoje. Foi uma das coisas mais fofas que já fizeram comigo. Mas tudo bem, somos dois adultos responsáveis pelos nossos atos. Adorei a noite!” MEUDEUS, não acredito! Prefiro fechar meus olhos e voltar a dormir!

Ela sabia que tinha arrumado uma história pra cabeça. Sabia que Ele não era o tipo de cara com que estava acostumada e que tinha que pensar bem no que fazer. Já sei! Semana que vem vou viajar.



“Calma pra contar nos dedos, beijo pra ficar aqui
teto para desabar, você para construir...”