Mesmo depois de anos trabalhando no mesmo lugar e vendo as
mesmas pessoas, Ricardo mantinha sua rotina. Saia do elevador de cabeça baixa,
soltava um razoável “Bom Dia” para a recepcionista, parava em frente ao
corredor que dava acesso ao grande salão de mesas separadas por baias e aquele
mar de gente, como ele gostava de se referir, respirava fundo e partia para sua
mesa. A pedido dele mesmo, sua mesa de trabalho era a última, encostada na
parede. Fez esse pedido por achar que lá não seria perturbado durante o dia e
que as pessoas acabariam esquecendo-o lá. As vezes isso até acontecia.
Dia após dia, aquele menino de vinte e poucos anos, magro de
cabelos escuros, óculos, olhar baixo e voz quase inaudível, servia como pauta
nas conversas das outras pessoas. O nome de Ricardo era sempre citado nos
cafés, almoços, lanches, happy hours, encontros e baladas. E todos diziam a
mesma coisa. Não é possível uma pessoa ser tão envergonhada. Chegavam a
comentar que Ricardo não tinha amigos, mas sua coordenadora sempre o defendia. Pelo
menos ele faz um ótimo trabalho. Isso ninguém pode falar nada!
Enfim, mais uma sexta-feira. Muito antes do horário pra
bater o cartão, as pessoas já se encontraram ao lado do relógio de ponto
combinando o Happy Hour. Que bar? Quem vai no carro de quem? Enfim, dezoito
horas. Um a um, as pessoas vão batendo o cartão e se dirigindo para o hall do
elevador. Tudo combinado, é hora da tão aguardada cerveja da sexta a noite.
A luz do escritório se apaga e Ricardo mais uma vez,
balbucia alguma coisa tão baixa em frente a tela de seu computador, que nem ele
mesmo se escuta. Acho que tá na hora de ir embora! Com o escritório vazio, o
caminho entre sua mesa e o banheiro se torna muito mais fácil. Ao passar pela
recepção ele acende as luzes do escritório, enfia a mão no bolso e saca o
celular. 235 mensagens não lida. De todas elas, só uma realmente importa,
“Daqui a pouco passo aí pra te pegar.”. “Mais dez minutos e eu tô pronto! Bjos”
Enviar. As outras 234 ele vai responder no caminho.
No banheiro, ele escolhe uma música e coloca o celular sobre
a pia. Em sua mão esquerda segura uma caixinha de lentes de contato. Se olhando
no espelho, ele tira os óculos e cuidadosamente coloca a lente do olho direito
e depois a do olho esquerdo e pendura o óculos na camisa. No refrão da música,
Ricardo abre a voz e canta a todo pulmão sua letra. Ricardo chega a ensaiar um
passinho de dança. Abre a torneira e lava o rosto. Aproveita a mão molhada para
passar nos cabelos e tirar um pouco daquele gel. Ricardo está quase pronto.
A música para de tocar. O celular está chamando. Oi! Já
chegou? Tá! Vou descer! Ele volta a ligar a música e sai pelo grande salão, que
até a pouco o assustava, dando passinhos de dança. Desliga o computador, pega
suas coisas e corre para o hall dos elevadores, não antes sem bater o ponto e
apagar as luzes. Até Segunda!
Em frente ao prédio onde funciona o escritório, está lá um
carro prata com vidros escuros. Nem por reza dá pra ver se tem alguém lá
dentro. O pisca alerta indica que o carro está ali esperando alguém. Ricardo
passa perla portaria do prédio feito um foguete. Mal dá boa noite ao porteiro
que acabara de assumir o posto. Sem nem olhar para os lados, Ricardo abre a
porta do carro prata e praticamente se joga pra dentro. Acelera esse carro que hoje
eu quero me jogar. Depois do aniversário da Lucia, quero ir naquele galpão!
Hoje vai ter uma festa incrível lá! Mauro o olha fixamente. Cadê meu beijo! O
carro para no farol. Ricardo se joga no colo de Mauro e lhe dá um de seus
melhores beijos. O farol abriu. Mauro acelera. A noite vai ser boa!
“Será que o meu signo tem a ver com o seu?
Vem ficar comigo depois que a festa acabar...”
Vem ficar comigo depois que a festa acabar...”
Nenhum comentário:
Postar um comentário